Escritos para repassar a memória, Doze contos peregrinos são histórias de latino-americanos na Europa, peregrinos solitários que não deixam de sonhar com a terra natal. São o retrato fantástico de Barcelona, Genebra, Roma e Paris como o pano de fundo das narrativas, onde são revelados os fatos jornalísticos de maneira sempre impecável e original. Lembranças reais, vivenciadas pelo autor, os contos são mesclados do trivial e do fantástico, mas, no momento da escrita, suplantaram a realidade, à medida que se afastavam das lembranças que lhes deram origem.
Ainda não conhecia nada do autor, embora já tivesse ouvido falar
em seu nome, mas foi segundo a sugestão do vendedor de uma livraria da cidade
que resolvi trazer para casa Doze anos
de solidão, que foi uma introdução digna à literatura de Gabriel García
Marquez, ganhador do prêmio Nobel de literatura.
Dividido em doze contos, como bem antecipa o título, a obra
começa com “Boa viagem, senhor presidente”,
conto que fala sobre os anseios e o estado de vivência de um presidente derrubado
que encontra um pouco de sentido de amizade e compaixão em um até então
desconhecido.
O livro começa de maneira cativante, com o conto nos
transportando ao momento apresentado quase que instantaneamente, com descrições
detalhadas sem prolixidade. Gabriel García Marquez escolhe as palavras
sabiamente e as põe no papel de maneira a encantar o leitor a cada página.
“A santa”,
segundo conto do livro, nos traz o dia-a-dia da batalha de um homem que busca a
canonização da filha, que faleceu e foi encontrada intacta no caixão anos
depois da sua morte. É, de maneira singela, um dos contos mais tocantes do
livro.
Eu tinha acabado de ser apresentado a ela quando cometi a impertinência feliz de perguntar como havia feito para implantar-se de tal modo naquele mundo tão distante e diferente de seus penhascos de ventos do Quíndio, e ela me respondeu de chofre:- Eu me alugo para sonhar.
Entre contos de amor, solidão, esperança e reflexão,
encontramos espaço até para o sobrenatural em “‘Só vim telefonar’” e “Assombrações
de agosto”. García Marquez liga os contos como se fizessem parte de uma só
história. É possível perceber a marcação das suas palavras e o ritmo se torna fluido
durante o livro inteiro.
“Maria dos Prazeres”
nos apresenta a história de uma mulher que não vive no auge da sua inesperada profissão
e sente que está prestes a morrer, então encomenda seu leito de morte. É uma
personagem brasileira e humana, com uma vida um pouco mais palpável que outras,
presentes no livro.
Talvez o conto mais previsível e lugar-comum, “Dezessete ingleses envenenados” não
traz surpresa ao leitor e se perde em meio aos contos presentes na obra. Não
segue uma linha contínua desde o início e um detalhe é pego para finalização do
conto. No final, ainda me perguntei se o autor não poderia ter deixado passar
esse, em específico.
Já “Tramontana” é
completamente o oposto do conto anterior. Trata das lembranças do autor sobre a
tramontana, que vem a ser explicada no decorrer das poucas páginas, e como tais
lembranças têm ligação com um fato que está ocorrendo naquele momento na vida
da personagem. Está entre os meus preferidos.
[...] pois o mundo parecia, para ele, um imenso brinquedo de corda com o qual se inventava a vida.
Quase no final notei que se trata de um livro de
contrapontos e surpresas. “O verão feliz
da senhora Forbes” pode ser caracterizado (por mim, claro) como perturbador.
Terminada a leitura não soube se ria ou chorava ou o que pensar sobre a
história descrita. É um ótimo conto.
“A luz é como a água”,
por sua vez, é divertido e um dos contos mais curtos do livro e dá abertura a “O rastro do teu sangue na neve”, que
finaliza a obra da maneira mais magistral que pude perceber em uma leitura
durante esse ano, quiçá em muitos anos. É um conto sensível e profundo, que nos
leva ao cenário frio de Paris para conhecer um pouco da comovente história de
Billy e Nena.
Creio que, depois de Doze contos peregrinos, vou ter que ler
a maior quantidade possível de obras de Gabriel García. Ele traz ao leitor em
sua coletânea de contos um retrato da Europa que geralmente não conhecemos em
best-sellers e filmes que chegam ao cinema. É um cenário misterioso e até
aconchegante, com um toque de familiaridade que, por vezes, quase é possível se
ver dentro de um ou outro conto.
Título: Doze contos peregrinos
ISBN: 8501040665
Editora: Record
Páginas:256
Ano: 2013
Avaliação: 5/5.
Olá Alisson,
ResponderExcluirNão li nada do autor ainda, mas pretendo em breve...parabéns pela sua resenha...abraços.
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